Há
catorze horas e vinte e três minutos, havia pousado na areia fina
que as ondas lambiam mansamente, sob a mínima luminosidade do Sol
acabado de nascer. Até ao ocaso, dispunha do tempo justo para a
primeira missão.
Para
energizar o corpo, desvitalizado pela descida, o anjo virou-se para
Nascente — os olhos bem abertos, maximizando a absorção de
energia vital — e estendeu os braços, com as palmas das mãos
voltadas para cima. Passados uns minutos, todo ele se sentia morno,
dinâmico e positivo. Estranhamente, adquirira um leve odor a
alfazema: um detalhe que o encantou. De sorriso aberto, confiante,
subiu a duna e iniciou a jornada em busca de alguma criatura
carenciada de auxílio.
Atravessou
os campos de milho alto, que o sargaço nutria. Achou curiosa, aquela
sensação de ausência de contacto: sentia a energia vibrante dos
vegetais, mas não o roçar das hastes verdes e fortes no corpo de
luz. De igual forma, era desprovido de outras sensações físicas:
não ouvia as ressonâncias harmónicas do vento, dedilhando uma
orvalhada teia de aranha; não sentia o cheiro fresco do sal que
outrora se lhe colava à pele, nem a humidade cintilante das
gotículas de orvalho que se evaporavam das folhas tenras. Mas não
era insensível ao ambiente onde se encontrava: a matéria é energia
condensada; pelas subtis variações energéticas — quer em
frequência, amplitude, fase, modulação — distinguia claramente
todas as características físicas que são transmitidas pelos
sentidos.
Era a
primeira vez que voltava à Terra liberto do corpo físico. Retinha a
memória vívida de todas as sensações terrenas que experimentara
ao longo de séculos, mas não sentia falta delas. A nostalgia e o
apego a emoções pueris haviam-se desprendido dele há muito; qual
serpente descamada da última pele, flutuando agora livre no vento
como uma mágica criatura de fumo.
(...)